quarta-feira, 21 de maio de 2014

Cacique formado na USP sonha com mestrado para ser referência

 Notícia publicada no site http://g1.globo.com/, em 19/05/2014. Por Mariane Rossi Do G1 Santos.
 
Um de seus objetivos é criar um vestibular específico para os indígenas.
Ubiratã Awá Baretédju, de 37 anos, mora em aldeia de Peruíbe, SP.

     

    Cacique Ubiratã, em Peruíbe, SP (Foto: Ubiratã Gomes Awá M´Baretédjú/Arquivo Pessoal)

Um cacique formado em Pedagogia pela Universidade de São Paulo (USP) quer se tornar um mestrando em Antropologia. Morador de Peruíbe, ele já é responsável pelas aldeias do litoral paulista e quer ser referência em educação no País. Um de seus objetivos é criar um vestibular específico para os indígenas.

Ubiratã Gomes Awá M´Baretédjú, de 37 anos, nasceu e foi criado na aldeia Bananal, em meio à Mata Atlântica e a cerca de 15 quilômetros do Centro de Peruíbe. A aldeia, uma das mais antigas da região, com cerca de 300 anos de existência, abriga aproximadamente 13 famílias. Os índios coletam frutos, produzem sucos para consumo próprio, fazem o reflorestamento por meio de sementes e preparam mudas para o comércio. Na aldeia, as tradições indígenas dos tupis-guaranis também permanecem intocáveis. Apesar de já terem acesso à internet, à energia elétrica e outras tecnologias, perpetuam características de seus antepassados. Vivem da caça, da pesca, da confecção e venda de artesanato e de apresentações culturais.




Cacique Ubiratã, em Peruíbe, SP (Foto: Ubiratã
Gomes Awá M´Baretédjú/Arquivo Pessoal)

A educação é a base para que as crianças indígenas e as próximas gerações possam eternizar os costumes e crenças de seu povo. “Na realidade, a educação indígena é aquela que nós aprendemos com os nossos antepassados, mas a educação escolar indígena é aquela que temos dentro das escolas”, fala o cacique. Por isso, as escolas indígenas foram montadas dentro das aldeias da Baixada Santista. Segundo o cacique, elas estão distribuídas nas cidades de
São Vicente,Praia Grande, Mongaguá e Peruíbe.

O ensino é diferenciado porque une as tradições indígenas com as disciplinas convencionais, encontradas em qualquer escola dos centros urbanos. “Antes, a educação era voltada à integração nacional e falava-se que o indígena não fazia parte da sociedade. Não podíamos fazer manifestações culturais, tirar dúvidas nas escolas. A própria educação era administrada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) na década de 1980. Em 1996, com algumas leis, o cuidado em relação às escolas indígenas passou para o Ministério da Educação (MEC). Essa lei nos beneficiou muito”, diz ele. Com as escolas indígenas, eles também têm mais autonomia para criar projetos político-pedagógicos, materiais didáticos e dinâmicas em grupo. Nas escolas, há desde o ensino infantil até nono ano. “Eu tenho aluno que, com quatro anos, já está lendo. As nossas escolas indígenas teriam que ser mais divulgadas”, explica.


 

Cacique após se formar em Pedagogia na USP (Foto: Ubiratã Gomes Awá M´Baretédjú/Arquivo Pessoal)
 
O cacique e outros índios receberam capacitação para atuar nesses centros especializados de ensino. Entre 2006 e 2008, eles fizeram o Curso Superior Indígena de Pedagogia na USP. As aulas eram ministradas no campus da faculdade uma vez por semana e também aconteciam na prática, dentro das aldeias. “Nós recebemos a formação em serviço, que foi melhor aproveitada. Quando se faz uma pedagogia formal, você adquire muitas teorias. No nosso caso, ficávamos uma semana em São Paulo e depois voltávamos para as nossas escolas, nossas aldeias, e aplicávamos lá”, conta o cacique. Após se formarem, eles começaram a atuar nas escolas indígenas de maneira efetiva, com material oferecido pelo Estado e pelo Governo Federal. Mas, segundo o cacique, os livros e líderes que falam sobre a cultura indígena já estão defasados. De acordo com ele, o discurso é sempre sob a visão do não indígena, o que prejudica a imagem das comunidades.
 


Ubiratã durante palestra em encontro (Foto:
Ubiratã Gomes Awá M´Baretédjú/Arquivo Pessoal)

Por isso, o cacique quer ter mais conhecimento e ser referência no ensino dos indígenas. Formado em Pedagogia, agora ele busca um mestrado. No ano passado, ele passou por várias fases do processo seletivo, mas, na última, foi barrado pela banca avaliadora. Segundo ele, o motivo dado pelos professores foi a falta de referências bibliográficas no projeto apresentado, mas ele acredita que houve outros problemas. “Três aprovaram e um não. Foi frustração mesmo. Eu creio que tenha sido preconceito, porque os argumentos foram muito vazios. Pretendo não desistir nunca, ainda mais sendo brasileiro nato como eu. Sei que tenho capacidade para isso. Também sei que vai ser difícil, sendo indígena ou não”, diz.

O cacique ficou decepcionado com o resultado e decidiu não tentar o processo seletivo para o mestrado neste ano. No entanto, ele não parou os estudos e a produção de cultura, abriu uma produtora e está fazendo documentários dentro da aldeia sobre o mundo indígena. Ele e a esposa são responsáveis pela gravação, produção e edição de todo o material. Além disso, o cacique continua participando de projetos dentro da USP, principalmente os ligados à Antropologia, sempre em prol da educação da comunidade indígena no Brasil. "Quero criar um vestibular especifico para indígenas. A educação indígena hoje é uma grande referência. Junto às lideranças, estamos procurando formar cidadãos, com uma cultura que se fortalece a cada dia”, conclui.































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